Nova alta de juros aumenta dívidas, reduz consumo e enfraquece economia

juros em alta 09_05_22O décimo aumento consecutivo da taxa básica de juros, decidido pelo Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, na quarta-feira (4), vai acelerar o endividamento e a inadimplência no país nos próximos meses, atrapalhando a retomada do crescimento econômico no segundo semestre, dizem economistas do varejo, da indústria e do setor financeiro.

 

O ciclo de alta da taxa básica de juros, que saiu de 2% em março de 2021 para os atuais 12,75%, vem elevando o número de endividados no país e piorando indicadores de contas em atraso e de comprometimento de renda das famílias com dívidas.

 

Cada aumento dos juros compromete mais uma parte da renda com pagamento de dívidas. Assim, sobra menos dinheiro no orçamento para a compra de bens e serviços.

 

Como cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) no Brasil depende do consumo das famílias, o menor poder de compra das pessoas também deve prejudicar a retomada da economia brasileira no segundo semestre, dizem especialistas.

 

Inflação e desemprego corroem a renda

Economistas dizem que ter dívidas não é necessariamente negativo para a economia. O crédito permite que as pessoas possam consumir mais e que as companhias ampliem os negócios para atender mais demanda, gerando mais empregos.

 

O problema aparece quando a renda de famílias e empresas deixa de cobrir as despesas do dia a dia e mais os compromissos do endividamento.

 

É o que está acontecendo no Brasil neste momento, diz a economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) Izis Ferreira, responsável pela Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada mensalmente desde 2010.

 

A inflação reduz o poder de compra das pessoas, mas a economia fraca não consegue gerar emprego e melhorar a renda das famílias para que o orçamento dos lares consiga acompanhar os preços da economia.
Izis Ferreira, economista da CNC

 

Veja abaixo algumas variações de preços entre março de 2020, quando começou a pandemia, e março último.

  • Cesta básica em São Paulo: +46,8% (fonte Dieese)
  • IPCA: +18,2% (fonte IBGE)
  • Salário Mínimo: +16%
  • Renda média do brasileiro: -4,2% (fonte IBGE)

 

Crédito de emergência para complementar renda

Com o orçamento cada vez mais apertado, as famílias passam a buscar o crédito como uma forma de complementar a renda, dizem economistas.

 

O problema nessa situação é que as pessoas estão recorrendo a modalidades de empréstimos de emergência, como cartão de crédito, cheque especial e empréstimo pessoal pré-aprovado. Justamente as formas mais caras de se tomar dinheiro emprestado.

 

As pessoas estão tomando crédito para parcelar o consumo do dia a dia, e não para aquisição de bens duráveis ou projetos de vida de longo prazo, diz o economista chefe da Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), Nicola Tingas.

 

Aumenta dívidas de pessoas com formas emergenciais de crédito, em 12 meses até fevereiro, segundo o BC:

  • Total (todas categorias): +23,7%
  • Cartão de crédito rotativo: +55,6%
  • Cartão de crédito parcelado: +49,7%
  • Cheque especial: +27,2%
  • Aquisição de veículos: +9%
  • Pessoal não consignado: +43,2%
  • Pessoal consignado: +15,6%

 

As pessoas estão enfrentando um estrangulamento do caixa. Depois que estouram o limite do cartão, buscam outras linhas, como cheque especial. O resultado disso é que aumenta a inadimplência. Temos uma economia que está vivendo de pontes.
Nicola Tingas, economista-chefe da Acrefi

 

Juros mais elevados e mais inadimplência.

Os indicadores de inadimplência do Banco Central apontam que os brasileiros estão com dificuldade crescente para honrar dívidas e que a piora é mais forte em modalidades de crédito de emergência, como cartão de crédito.

 

Inadimplência média das famílias

  • Jan.2021: 4,1%
  • Dez.2021: 4,4%
  • Fev.2022: 4,7%

Inadimplência das famílias no cartão de crédito parcelado

  • Jan.2021: 5,3%
  • Dez.2021: 6,1%
  • Fev.2022: 6,0%

Inadimplência das famílias cartão de crédito rotativo

  • Jan.2021: 30,5%
  • Dez.2021: 35,7%
  • Fev.2022: 35,1%

 

As taxas de inadimplência estiveram comportadas em 2020 graças a regras especiais lançadas para facilitar a renegociação de dívidas durante a pandemia e aos programas de renda do governo, aponta o economista Flavio Calife, especialista da Boa Vista Serviços, empresa de informações de crédito que reúne dados comerciais e cadastrais de mais de 130 milhões de consumidores e empresas em todo país.

 

Mas essa situação mudou ao longo de 2021, quando a inadimplência voltou a crescer. No banco de dados da Boa Vista, aumentou em 9,2% o total de registros de inadimplência no primeiro trimestre deste ano em comparação com o mesmo período do ano passado.

 

Se a gente observar o aumento da inadimplência apenas no começo deste ano, vemos que o crescimento já é maior que o acumulado em todo 2021. Com juros mais elevados, o pagamento da dívida toma mais espaço da renda.
Flavio Calife, economista da Boa Vista Serviços

 

Com mais inadimplência, oferta de crédito também pode diminuir

Com o aumento da inadimplência, as instituições financeiras tendem a ser mais seletivas na hora de liberar novos empréstimos ou rolar dívidas vencidas, dizem especialistas.

 

O chamado spread —diferença entre o custo do dinheiro para os bancos e aquilo que eles cobram dos clientes— aumenta quando a inadimplência cresce. Essa diferença, que era de 19,1 pontos percentuais, em setembro do ano passado, subiu para 21,8 pontos percentuais em fevereiro último.

 

Nesse ambiente, a pessoa negativada acaba tendo que buscar crédito extra em lugares que cobram juros ainda mais elevados.

 

Para dar um exemplo: na linha de crédito pessoal não consignado, as taxas cobradas começam em 13,09% ao ano, mas chegam a 904% ao ano, na opção mais cara, segundo levantamento do Banco Central.

 

Taxas médias de juros ao ano (fonte Banco Central, em fevereiro)

  • Cartão de crédito rotativo: 355,2%
  • Cartão de crédito parcelado: 174,3%
  • Cheque especial: 132,6%
  • Crédito pessoal não consignado: 83,4%
  • Consignado: 22,9%

 

Superendividados

Essa dificuldade de pagar e rolar dívidas alimenta o surgimento de novos superendividados, aqueles que não têm como honrar os compromissos.

 

O percentual de famílias que relataram dívidas a vencer (cheque pré-datado, cartão de crédito, cheque especial, carnê de loja, crédito consignado, empréstimo pessoal, prestação de carro e de casa) atingiu 77,7% em abril, maior nível desde janeiro de 2010, início da série histórica da Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor. Há um ano, a proporção de endividados era de 67,5%.

 

Mas a economista responsável pela pesquisa, Izis Ferreira, destaca o avanço do percentual de brasileiros que se dizem muito endividados, que subiu de 14,4%, em abril do ano passado, para 17,8%, agora -o segundo maior percentual da série, atrás apenas do apurado em julho de 2011.

 

Ela alerta que 21,5% das famílias endividadas têm mais de 50% da renda comprometida com dívidas, o maior percentual desde janeiro de 2021.

 

Parcela da renda comprometida com dívidas (fonte CNC, em abril)

  • Menos de 10% da renda: 22,1% das famílias
  • De 11% a 50% da renda: 52,8% das famílias
  • Superior a 50% da renda: 21,5% das famílias
  • Não sabe/ Não respondeu: 3,6% das famílias

 

Não esperamos redução dos endividados neste ano. Se está difícil carregar a dívida, a pessoa vai renegociar. Mas isso será feito em um ambiente de juros cada vez mais elevados.
Izis Ferreira, economista da CNC

 

Juros afetam consumo e impactam PIB

Os juros mais elevados diminuem o poder de compra dos brasileiros e, por tabela, enfraquecem a economia brasileira, dizem economistas, porque o consumo das famílias responde por cerca de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.

 

Por isso, apontam especialistas, a atividade econômica no segundo semestre não deve ter força para decolar. Esse é um dos motivos pelos quais as projeções para o PIB este ano apontam para um crescimento modesto, na casa de 0,7%, praticamente uma estagnação.

 

O novo aumento de juros deve agravar a situação da atividade industrial, diz o economista chefe da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), Igor Rocha.

 

Com mais esse aumento de juros e, pior, a sinalização de que esse movimento não para por aí, vemos um cenário ainda mais desafiador no segundo semestre para a indústria, que depende muito do crédito.
Igor Rocha, economista chefe da Fiesp

 

A projeção da Fiesp para a produção industrial em 2022 é de queda de 1,2%, que, se confirmada, será a sexta retração industrial no Brasil em um período de dez anos.

 

João José Oliveira

Do UOL, em São Paulo