Com a alta do dólar ante o real e a crise econômica, os brasileiros que vivem no exterior aumentaram o envio de dinheiro ao país. Desde o início da pandemia do novo coronavírus, o Brasil tem recebido mais dólares de quem mora em países como Estados Unidos e Reino Unido, seja para ajudar a família brasileira, seja para fazer investimentos ou adquirir bens.
Dados do Banco Central mostram que, em novembro de 2021, as transferências pessoais do exterior para o Brasil somaram US$ 390 milhões. O valor é 58,5% superior aos US$ 246 milhões registrados dois anos antes, em novembro de 2019, quando a pandemia do novo coronavírus ainda não havia começado. De janeiro a novembro do ano passado, as remessas somaram US$ 3,6 bilhões.
As transferências pessoais refletem os envios de recursos realizados entre pessoas físicas residentes no exterior e no Brasil.
Profissionais da área de câmbio ouvidos pelo UOL afirmaram que o principal motivo para a alta das remessas é o avanço do dólar ante o real, que elevou o poder de compra da moeda americana.
De novembro de 2019 para novembro de 2021, por exemplo, o dólar subiu mais de 30%. Isso significa que, com a mesma quantidade de dólares, é possível ter um poder de compra no Brasil, em reais, 30% maior.
Sócio da assessoria de câmbio FB Capital, de São Paulo, Fernando Bergallo afirma que, com a moeda americana valorizada, muita gente foi às compras no Brasil.
É impressionante a quantidade de moradores de outros países que estão comprando. Com o dólar que têm, eles compram muito mais. A crise trazida pela pandemia gerou oportunidades de investimento. Além disso, muita gente lá fora está ajudando financeiramente a família no Brasil.
Fernando Bergallo, da FB Capital
EUA são principal origem dos recursos
Cerca de metade das transferências pessoais que chegam ao Brasil tem origem nos EUA. Em segundo lugar no ranking aparece o Reino Unido. Os dois países são destinos tradicionais de brasileiros em busca de trabalho e de uma vida melhor também para a família que ficou no Brasil.
Transferências pessoais do exterior para o Brasil, em meses selecionados
- Outubro 2019: US$ 242 mi (total); US$ 105 mi (EUA); US$ 35 mi (Reino Unido)
- Novembro 2019: US$ 246 mi (total); US$ 106 mi (EUA); US$ 38 mi (Reino Unido)
- Outubro 2020: US$ 317 mi (total); US$ 162 mi (EUA); US$ 64 mi (Reino Unido)
- Novembro 2020: US$ 283 mi (total); US$ 144 mi (EUA); US$ 52 mi (Reino Unido)
- Outubro 2021: US$ 340 mi (total); US$ 187 mi (EUA); US$ 56 mi (Reino Unido)
- Novembro 2021: US$ 390 mi (total); US$ 173 mi (EUA); US$ 121 mi (Reino Unido)
Corrida para enviar
A escalada do dólar ante o real, intensificada a partir de 2020, deu início a uma verdadeira corrida entre moradores de outros países para envio de recursos ao Brasil.
Assessor de investimentos do banco BTG Pactual nos EUA, Marcos Praça participou deste movimento nos últimos meses. “Quando o dólar passou de R$ 5, a percepção era de uma alta muito forte. Muita gente saiu mandando dinheiro para o Brasil”, afirma. “Eu mesmo fiz isso”, acrescentou. Praça disse ter aproveitando o momento para fazer alguns investimentos no Brasil.
Morador de Deerfield Beach, no estado da Flórida, Praça participa de diversos grupos de imigrantes em redes sociais e acompanhou de perto o movimento dos imigrantes. Segundo ele, era comum encontrar pessoas enviando dinheiro para comprar apartamentos ou casas no Brasil.
Muitas pessoas vêm trabalhar nos EUA para fazer aquisições no Brasil, principalmente de imóveis. Elas têm acesso aqui a um poder de compra maior. Com a alta do dólar, elas limparam as contas para construir algo no Brasil, comprar algo.
Marcos Praça, assessor de investimentos
Com a pandemia e a crise econômica, Praça também identificou brasileiros que elevaram as remessas para suas famílias. “Está acontecendo com todos os países da América Latina. Os venezuelanos também estão fazendo isto: eles ganham mais nos EUA e mandam para os familiares.”
“Até o fim de 2019, 80% das operações feitas para meus clientes eram de saída de dólares. Os outros 20% eram para entrada no Brasil”, diz. “Desde que o dólar rompeu os R$ 5, vimos uma inversão absoluta. Hoje, 70% da operação é de entrada de dólares no Brasil e 30% de saída.”
Em grande parte, os serviços prestados pela FB Capital são para pessoas físicas que moram em outros países. De acordo com Bergallo, os casos de pessoas que, em função do câmbio favorável, decidiram comprar imóveis no Brasil se multiplicaram.
“Há pessoas que foram morar nos EUA antes da pandemia e conseguiram gerar receitas em dólar. Agora, estão trazendo os recursos”, afirma. “Se alguém tem US$ 500 mil por lá, pode converter US$ 100 mil deste total, em reais. Com R$ 600 mil da conversão já dá para comprar um apartamento”, exemplifica.
Dinheiro para casar
Morando há seis anos nos EUA, o engenheiro de software Vinícius Costa Santos Rodrigues, 30, tem enviado dinheiro para o Brasil há cerca de um ano. Os recursos são para bancar seu casamento com a médica norte-americana Alessia Zambrano, 27, em maio deste ano.
“Nos últimos dois anos, desde o início da pandemia, o dólar subiu muito. Este fator pesou em nossa decisão de fazer a festa de casamento no Brasil”, explica Rodrigues, que vive em Rutherford, no estado de Nova Jersey. “Quando o dólar sobe 10 ou 20 centavos, o impacto não é tão grande. Mas quando passa de R$ 4 para R$ 5, o efeito é maior.”
Nos últimos meses, o casal enviou ao Brasil o equivalente a R$ 60 mil. Natural de Belo Horizonte, Rodrigues vai se casar com Alessia Zambrano em Arraial d’Ajuda, na Bahia.
“Tivemos que pensar nos convidados também. Com o dólar alto, menos gente conseguiria vir do Brasil para os EUA. É mais fácil para os convidados que estão aqui irem para o Brasil nestas condições.”