Apesar dos recentes sinais de trégua dos preços no Brasil, o grupo alimentação e bebidas ainda acumula inflação de 9,54% no ano, de janeiro a setembro.
É a maior alta para os nove primeiros meses do calendário em 28 anos, ou desde o início do Plano Real, apontam dados do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) consultados pela Folha.
Trata-se do avanço mais intenso para o acumulado de janeiro a setembro desde 1994 (915,08%), quando o Brasil ainda vivia o reflexo da hiperinflação.
O IPCA, calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), é o índice oficial de preços do país.
De acordo com analistas, a carestia da comida reflete uma série de fatores em 2022. No começo do ano, fortes chuvas prejudicaram plantações em regiões como o Sudeste. O Sul, por outro lado, amargou período de seca.
Os extremos climáticos reduziram a oferta de mercadorias diversas, como verduras e legumes, o que afetou os preços.
Também houve pressão de custos. Insumos usados no campo ficaram mais caros durante a pandemia, elevando os gastos para a produção de alimentos.
A situação foi intensificada pela Guerra da Ucrânia. Commodities agrícolas tiveram alta nas cotações após o início do conflito, em fevereiro. A guerra ainda gerou pressão adicional sobre os preços de insumos no mercado internacional.
“O diagnóstico ainda é de uma inflação alta”, diz o economista Luca Mercadante, da Rio Bravo Investimentos.
“É uma inflação que tem impacto importante, que pesa na vida das pessoas. Elas percebem isso”, completa.
Em setembro, o grupo alimentação e bebidas até recuou 0,51% no IPCA. Foi a maior baixa desde maio de 2019 (-0,56%) e a primeira desde novembro de 2021 (-0,04%).
Com o resultado, a inflação acumulada no ano desacelerou de 10,10% até agosto para 9,54% até setembro. No acumulado de 12 meses, a alta passou de 13,43% para 11,71%.
A trégua em setembro foi puxada pelo leite longa vida, que havia disparado anteriormente, em meio a período de entressafra.
“Temos uma desaceleração. Setembro foi um sinal disso, muito em razão do leite”, diz o economista Raphael Rodrigues, do banco BV.
Analistas avaliam que os alimentos tendem a ficar em um patamar elevado de preços até dezembro, mas com avanços mais moderados do que no começo do ano. Por ora, as projeções não sinalizam novas deflações para o grupo até o final de 2022.
“Tende a desacelerar, mas deve continuar pressionado, inclusive em 2023”, indica Rodrigues.
Ele acrescenta que, antes da pandemia, os preços de alimentos como as carnes já vinham em alta, devido a descompassos entre oferta e procura.
A inflação da comida pressiona o presidente Jair Bolsonaro (PL) na corrida eleitoral deste ano.
A carestia afeta sobretudo a população mais pobre, porque a compra de alimentos consome uma fatia maior do orçamento dessas famílias na comparação com faixas de renda mais elevadas.
Em uma tentativa de superar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das eleições, Bolsonaro busca melhorar sua aprovação junto à parcela dos eleitores mais vulneráveis, pilar da campanha petista.
Nesse sentido, o governo federal anunciou a ampliação do Auxílio Brasil para R$ 600 a partir de agosto. O benefício pretende aumentar o poder de compra dos mais pobres no ano eleitoral, enquanto a inflação dos alimentos ainda pesa no bolso dos brasileiros.
No acumulado do ano, o melão foi o alimento que mais subiu dentro do IPCA. A alta dos preços alcançou 74,37% até setembro.
Cebola (63,68%) e leite longa vida (50,73%) vieram em seguida. O tomate, por outro lado, teve a maior queda (-28,01%).
Auxílio só compra cesta em cinco capitais
Em setembro, o preço médio da cesta básica diminuiu em 12 das 17 capitais que integram levantamento mensal do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos).
Mesmo assim, apenas 5 das 17 metrópoles pesquisadas tinham cesta básica abaixo de R$ 600, o valor do Auxílio Brasil.
As cinco ficam no Nordeste: Aracaju (R$ 518,68), Salvador (R$ 560,31), João Pessoa (R$ 562,32), Recife (R$ 580,01) e Natal (R$ 581,53).
São Paulo, por outro lado, seguiu com a cesta básica mais cara em setembro: R$ 750,74. Florianópolis (R$ 746,55), Porto Alegre (R$ 743,94) e Rio de Janeiro (R$ 714,14) vieram na sequência.
Além de ampliar o Auxílio Brasil, Bolsonaro também apostou no corte de tributos para aliviar a inflação, o que atingiu itens como combustíveis e energia elétrica.
Em setembro, o IPCA, de modo geral, caiu 0,29%. A deflação foi a terceira consecutiva, movimento puxado pela baixa da gasolina.
O petróleo, contudo, voltou a subir nos últimos dias, o que pressiona os preços dos combustíveis no Brasil. A Petrobras vem evitando repasses nas refinarias às vésperas do segundo turno das eleições.
Mesmo assim, após 15 semanas de queda, o valor médio da gasolina passou a avançar nos postos brasileiros, conforme pesquisa semanal da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis). O combustível foi vendido a R$ 4,86 por litro, em média, na semana passada.
Leonardo Vieceli – Folha