Pela primeira vez pelo menos desde 1979 —data mais antiga dos registros do SIM (Sistema Integrado de Mortalidade), do Ministério da Saúde— uma região do país registrou um mês com mais mortes que nascimentos. O fato ocorreu no Sul, em março, que teve um encolhimento de população no último mês, impulsionado pela alta mortalidade da covid-19.
Segundo o portal da transparência da Arpen/Brasil (Associação Brasileira de Registradores de Pessoas Naturais), que reúne dados de todos os registros de nascimentos, óbitos e casamentos do país desde 2015, até quarta-feira (7) foram 34.459 óbitos registrados no sistema em março, no Sul do país, contra 34.211 nascimentos —diferença de 248 casos. Os dados foram compilados até ontem e ainda podem ter atualizações.
Para efeito de comparação, em março do ano passado, por exemplo, a diferença positiva para os nascimentos era muito maior: 28.820 contra 15.762 mortes —mais de 13.000 casos. Vem sendo assim ao menos nas últimas quatro décadas, segundo dados do SIM.
Efeito covid-19
O resultado é impacto direto da covid-19, que teve seu pico no último mês nos três estados da região. Segundo os dados dos cartórios de registro civil, a doença causada pela novo coronavírus foi responsável por metade dos sulistas mortos no mês passado: foram 17.220 óbitos.
- O Rio Grande do Sul foi o estado que teve mais emissões de certidões de óbitos em março: 8.148.
- No Paraná, foram 5.737.
- Em Santa Catarina, 3.335.
“Na verdade lidamos com uma sindemia, ou seja, com um conjunto de eventos interligados e interdependentes, cujo determinante inicial é a pandemia”, afirma o médico Alcides Miranda, professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) nos cursos de graduação e pós-graduação em Saúde Coletiva.
Para ele, o cenário encarado pelos estados do Sul — e em grande parte do país — é fruto do que classificou de “negligência” e “omissão” do governo federal nas ações de combate ao vírus. “Houve uma aposta na ideia de manter a economia funcionando ‘normalmente’ às custas de uma autolimitação epidêmica —a chamada imunização de rebanho. Isso trouxe um custo dramático de dezenas de milhares de óbitos evitáveis”, diz.
Procurado, o Ministério da Saúde não respondeu às críticas.
O especialista ainda cita que governos estaduais e municipais, nesse cenário, optaram por uma mediação entre interesses econômicos, também deixando de lado a necessidade de medidas epidemiológicas urgentes para proteger a população.
Nunca houve efetivamente lockdown, mas arremedos de estratégias e medidas mitigadoras. Tais iniciativas, descoordenadas –pela omissão do governo federal– e dissociadas colocaram a região Sul em um cenário intermediário –entre o pior e o melhor– por algum tempo. Com a introdução e a circulação de novas cepas virais mais transmissíveis (e provavelmente mais letais) estabeleceu rapidamente um incremento intensivo de contágios e insuportável para os serviços assistenciais.
Alcides Miranda, médico e professor da UFRGS
Cada estado da região Sul do país adotou medidas diferentes para tentar conter a pandemia, mas recentemente os governos decidiram criar um grupo de trabalho conjunto para evitar desabastecimento de insumos e permitir transferências de pacientes.
No Rio Grande do Sul, desde o fim de fevereiro deste ano, todo território foi classificado como situação gravíssima de contágio e foram impostas restrições aos serviços não essenciais — como restaurantes e bares.
Em Santa Catarina, o estado decretou restrições de circulação nos fins de semana e algumas cidades decidiram fazer lockdown parcial para diminuir a proliferação do vírus.
Já no Paraná, há restrição de circulação das 20h às 5h, as aulas presenciais foram suspensas e houve aumento de leitos para tratar pacientes.